Conhecimento, política e comunidade na educação das crianças e na formação de profissionais

Organizar o VIII Seminário Luso Brasileiro de Educação de Infância e o IV Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Infâncias e Educação configura-se como uma oportunidade crucial para pensar criticamente o lugar dos processos de educação das crianças em Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Realizar-se no Instituto Politécnico de Setúbal é o mote para pensar educação numa escola que nasceu sem teto, enquanto projeto político, fundado em valores de democracia participativa e crítica, com as crianças e as famílias, a funcionar em e com espaços da comunidade, acolhida por autarquias, associações, museus e outras. “Uma formação que procura fazer da construção do ser e do estar dimensões fundamentais do saber e do saber fazer em educação” como afirmou Rui D’Espiney em 1990 na sessão solene de bênção das pastas do primeiro grupo de educadoras/es de infância e professoras/es do 1.º Ciclo formadas pela Escola Superior de Educação de Setúbal, ao lado de Cristina Figueira que acrescentou o objetivo de “formar professores felizes, que se sentissem bem consigo e na relação com os outros”.

Nestes anos, de 2024 e 2025, de múltiplas celebrações (100 anos do nascimento de Amílcar Cabral, 330 anos da morte de Zumbi dos Palmares, 50 anos do 25 de abril e das independências dos países africanos de língua oficial portuguesa, 40 anos da ESE-IPS e do Colégio de Aplicação da UFAL, 50 anos da Universidade do Minho), mas também de tantas catástrofes e ameaças (guerras na Europa, em África e no Médio Oriente marcadas por constante infanticídio; crises climáticas, ecológicas e existenciais com impactos exponenciais nas comunidades; questionamento da ciência e manipulação de informação; tendências populistas e de perda de direitos), escolhemos dedicar este encontro intercontinental ao debate sobre conhecimento, política e comunidade na educação das crianças e na formação de profissionais que as acompanham.

A obsessão com a mensurabilidade da realidade e com a permanente recolha de evidências têm marcado a agenda e o ritmo de vida dos contextos de educação, das crianças, da investigação, ensombrando o que se pode designar de conhecimento pertinente de que nos fala Edgar Morin – aquele conhecimento que permite compreender “problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários” (2000, p.36).

 “Quando se trata de educação, nenhum político tem dúvidas, nenhum comentador se engana, nenhum português hesita. [. . .]. O que é evidente, mente. Evidentemente.” (Nóvoa, 2005, p. 14). Com cerca de 20 anos, esta afirmação surge com um vigor renovado e com um lastro que se alarga a outras áreas da atividade humana. Tal como a médica e a pediatra, a enfermeira, a assistente social ou a arte-educadora, “nunca precisou o professor progressista estar tão advertido quanto hoje em face da esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade da educação” (Freire, 1996, p. 38).

Perante as diversas pressões provocadas pela falta de profissionais qualificados que atendam às necessidades., pela sua desvalorização e desprofissionalização, consideramos a pertinência de conhecer, analisar e compreender as condições de trabalho e de ação de profissionais da infância, bem como as características e oportunidades da sua formação. Para ultrapassar as ameaças de precarização das vidas, precisamos de nos conhecer e reconhecer como comunidades solidárias e éticas em torno do permanente trabalho de construção de um sentido de mundo comum. “Aprender na vida, aprender junto do nosso povo, aprender nos livros e na experiência dos outros. Aprender sempre” (Cabral, 1977, p. 150).

Certos de que a escola, como o jardim-de-infância, a comunidade como a cidade, a floresta como o parque podem emergir como campo de possibilidades onde “temos a oportunidade de trabalhar pela liberdade, de exigir de nós e dos nossos camaradas uma abertura da mente e do coração que nos permita encarar a realidade ao mesmo tempo em que, colectivamente, imaginamos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir” (hooks, 2019, p. 273), abrimos este evento à discussão sobre conhecimento, política e comunidade na educação das crianças e na formação de profissionais.

A integração entre conhecimento, política e comunidade é essencial para uma educação de qualidade que não apenas transmita conteúdo, mas também forme cidadãos críticos, conscientes e capazes de atuar de maneira transformadora na sociedade. A educação de infância, aliada a políticas públicas efetivas e à participação comunitária, tem o potencial de criar bases sólidas para o desenvolvimento humano e social, enquanto a formação de profissionais bem preparados e engajados é a chave para manter esse ciclo de transformação contínua.

O Seminário Luso-Brasileiro de Educação de Infância (SLBEI) e o Congresso Luso Afro-Brasileiro de Infâncias e Educação (CLABIE) vêm-se constituindo como importantes espaços de encontros e partilha de produção de conhecimento e de práticas pedagógicas ao longo dos anos. Desta vez, o VIII SLBEI e o IV CLABIE propõem um conjunto de eixos temáticos que permitirão acolher trabalhos que, de diferentes modos e com diversas abordagens, contribuirão para densificar o debate em torno do tema da presente edição, dando continuidade às anteriores. Assumindo como objetivos principais destes eventos fomentar a partilha e a discussão de trabalhos de pesquisa e relato de experiências no campo da educação das crianças de 0 a 10 anos de idade, reunindo parceiros institucionais, pesquisadores, profissionais e estudantes, propomos o seguinte conjunto de eixos temáticos:

  • O lúdico, o artístico e o literário na educação de crianças;
  • Saberes das crianças sobre o mundo e a sociedade;
  • Desemparedamento das infâncias e direito à cidade e ao meio ambiente;
  • Conhecimento, formação e condições de trabalho de profissionais das infâncias;
  • Infâncias em contextos de lutas, resistências e deslocamentos;
  • Infâncias, decolonialidades e marcadores sociais da diferença;
  • Vidas, corpos e experiências de inclusão;
  • Participação social e políticas públicas;
  • Tecnologias, democracia e risco digital;
  • Comunidades, famílias e (bem) comum.

Oferecendo tempo e espaço para diálogos de referência no campo da pesquisa e da formação especialmente para educadoras, professores, gestores, estudantes de licenciatura, mestrado, doutoramento e pós-graduação, além de outros profissionais das diversas áreas que atuam com crianças desde bebés, em creches, jardins-de-infância, escolas e demais instituições, o SLBEI e o CLABIE, em conjunto, procuram ser um evento que dá visibilidade à produção científica qualificada nas áreas dos Estudos da Infância e das Pedagogias praticadas nas instituições educativas, para a construção de uma rede que envolve pesquisadores, pesquisadoras e profissionais das infâncias luso-afro-brasileiras/os.

Referências bibliográficas

Cabral, A. (1977). Unidade e Luta II. A pratica revolucionária. Seara Nova.

D’Espiney, R., Figueira, C., & Carvalho, R. F. (1990). Sempre ao vosso dispor, afectuosamente somos. Escola Superior de Educação de Setúbal. Benção das Pastas. . Não publicado.

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra.

hooks, b. (2019). Ensinando a transgredir – a educação como prática de liberdade. Martins Fontes.

Morin, E. (2000). Os sete saberes necessários à educação do futuro. Cortez/UNESCO.

Nóvoa, A. (2005). Evidentemente. Histórias da educação. Edições Asa.